Cuidado vascular efetivo envolve escuta ativa, educação do paciente e abordagem terapêutica multidisciplinar

Mais do que tratar tecnicamente a doença, o grande desafio do cirurgião vascular está em oferecer um plano terapêutico que realmente promova mudanças positivas na rotina e no bem-estar dos pacientes. Condições como a insuficiência venosa crônica (IVC) e a síndrome pós-trombótica (SPT), por exemplo, são altamente prevalentes e impactam não apenas a hemodinâmica dos membros inferiores, mas toda a dinâmica de vida do indivíduo.

O cirurgião vascular e membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP) Dr. Walter Campos Junior, que também é coordenador do Grupo de Doenças Venosas do HCFMUSP, explica que “a deterioração progressiva do estado funcional e o impacto psicológico dessas condições contribuem significativamente para a redução da qualidade de vida”. Ele observa que sintomas como dor, sensação de peso, prurido, edema e alterações tróficas repercutem negativamente nas atividades diárias, autoestima e produtividade. 

Além disso, Dr. Walter destaca que a avaliação sistemática desses impactos vai além da resposta clínica objetiva. Para isso, o uso de instrumentos validados é essencial para mensurar a qualidade de vida (QV) sob a perspectiva do próprio paciente. Entre os mais utilizados na prática vascular, ele cita o Venous Clinical Severity Score (VCSS), que avalia a gravidade clínica da insuficiência venosa a partir de sinais e sintomas; o Venous Disability Score (VDS), que mede o grau de limitação funcional; e o CIVIQ-20 (Chronic Venous Insufficiency Questionnaire), desenvolvido para captar o impacto da insuficiência venosa crônica na qualidade de vida. Além desses, ressalta o VEINES-QoL/Sym, que avalia simultaneamente sintomas e QV em pacientes com insuficiência venosa crônica e síndrome pós-trombótica; o Aberdeen Varicose Veins Questionnaire, focado em varizes e seu impacto nas atividades diárias; e o SF-36, questionário genérico amplamente utilizado para comparação de qualidade de vida em diferentes populações e doenças crônicas.

Ainda assim, a escuta ativa e a anamnese continuam sendo recursos indispensáveis na prática. Para o cirurgião vascular Dr. Marcelo Calil Burihan, “a relação médico-paciente é fundamental para que o desenvolvimento do tratamento aconteça. A melhoria clínica se expressa na própria narrativa do paciente, desde que haja uma escuta cuidadosa”. Ele enfatiza que a análise global do contexto de vida — incluindo atividades físicas, rotina profissional e relações pessoais — é decisiva para a escolha de estratégias individualizadas. 

A abordagem terapêutica deve ser necessariamente multidisciplinar, com a integração de médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos. “O manejo da IVC é um processo contínuo que demanda orientação médica associada ao suporte de outras áreas, com foco não apenas na melhora dos sintomas, mas também na prevenção de complicações e na manutenção funcional”, reforça Dr. Walter. O Dr. Marcelo acrescenta que “a interação entre especialidades permite um direcionamento mais eficaz do tratamento, especialmente no controle de comorbidades, como diabetes, dislipidemia e hipertensão arterial”.

Primeiramente, a adesão a medidas terapêuticas essenciais — como o uso correto da terapia compressiva, a prática regular de exercícios físicos, os cuidados com a pele e as mudanças no estilo de vida — depende fortemente do conhecimento e do engajamento do paciente. Conforme ressalta o Dr. Walter, “intervenções educativas estruturadas demonstraram aumentar o conhecimento dos pacientes sobre autocuidado, melhorar a adesão à terapia compressiva e promover hábitos saudáveis, fatores que contribuem para melhores desfechos clínicos, como a cicatrização de úlceras venosas e a prevenção de recidivas”. Além disso, ele destaca que a educação capacita o paciente a reconhecer sinais de alerta e buscar assistência precoce, reduzindo complicações.

As estratégias terapêuticas também devem ser cuidadosamente escolhidas de acordo com a gravidade da doença, perfil do paciente e expectativa de resultado. Nas últimas décadas, os avanços tecnológicos ampliaram significativamente o arsenal do cirurgião vascular. Entre os principais recursos estão as técnicas termoablativas, o uso de espuma de polidocanol, MOCA (ablação mecanoquímica), colagem venosa com cianoacrilato e a angioplastia venosa ilíaco-cava. Segundo Dr. Walter, “a introdução de novas abordagens, como a endoprótese de válvula venosa antirrefluxo — uma bioprótese contendo válvula suína — representa um salto promissor no tratamento de casos avançados”.

O acompanhamento contínuo é outro aspecto decisivo para garantir bons resultados. “O retorno do paciente é fundamental para que o acompanhamento seja feito de forma adequada. Às vezes, é necessário que ele ocorra semanalmente; em outras, mensal ou até semestralmente — o importante é que a reavaliação aconteça”, afirma o Dr. Marcelo. A adesão ao seguimento está diretamente ligada à percepção de melhora e à relação de confiança entre médico e paciente.

No cenário atual, os profissionais de saúde ainda enfrentam o desafio adicional da desinformação. “O paciente precisa saber separar o joio do trigo. Muitas vezes se deixa levar por dancinhas na internet ou pelo Dr. Google. O médico tem papel central na orientação segura e fundamentada”, alerta Dr. Marcelo. Esse papel torna-se ainda mais relevante em um momento em que tecnologias como a inteligência artificial começam a ser incorporadas ao cotidiano da medicina, inclusive na interpretação de exames, triagem de risco e suporte à decisão clínica.

Como destaca matéria publicada na Folha de São Paulo de maio de 2025, essas inovações também levantam dilemas éticos e jurídicos relevantes — afinal, “quem vai pagar pelos erros médicos da inteligência artificial?” (Acesse aqui). A discussão reforça que, mesmo diante de algoritmos cada vez mais sofisticados, a supervisão médica continua sendo indispensável para garantir segurança e responsabilidade nos cuidados. Isso exige que o profissional esteja não apenas atualizado tecnicamente, mas também preparado para lidar com expectativas, dúvidas e informações imprecisas que chegam cada vez mais rápidas aos consultórios por meio das redes sociais e buscadores.

Por fim, os especialistas concordam que o impacto clínico das doenças venosas não deve ser mensurado apenas pela melhora hemodinâmica. O verdadeiro desfecho de valor está na qualidade de vida restaurada: autonomia para caminhar, produtividade retomada, alívio da dor e melhora da autoestima. “Tratar a doença é necessário — mas transformar a vida do paciente é o que deve nortear a prática vascular contemporânea”, concluem.

Tratar doenças vasculares de forma resolutiva exige ir além da técnica. Requer escuta atenta, mensuração objetiva do impacto, integração multiprofissional, foco na educação e capacidade de adaptar condutas aos contextos reais. Somente assim é possível transformar intervenções clínicas em ganhos concretos na qualidade de vida — o desfecho que realmente importa para o paciente.

Dr. Walter Campos Júnior

Dr. Marcelo Calil Burihan