Rotina em diferentes cenários expõe os limites do profissional e reforça a urgência do debate sobre a saúde mental do médico

A atuação simultânea em pronto-socorro, ambulatório e centro cirúrgico tornou-se uma realidade frequente para muitos cirurgiões vasculares. A pressão por agilidade, o volume de atendimentos e a multiplicidade de contextos criam um ambiente desafiador que exige preparo técnico, organização e resiliência.

Entre os especialistas que vivem essa realidade está o cirurgião vascular Dr. Rafael de Athayde Soares, pesquisador do Departamento de Cirurgia Experimental, Pesquisa e Educação Médica Continuada da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP). Ele compartilha seu cotidiano, os principais desafios e as estratégias que desenvolveu para garantir segurança e qualidade, mesmo diante de jornadas repletas e imprevisíveis.

Com uma rotina dinâmica e exigente, em um dia típico, começa revisando a agenda e os casos pendentes do plantão anterior. Pela manhã, divide-se entre atendimentos ambulatoriais e avaliações no pronto-socorro, dependendo da escala. E em dias específicos, realiza exames de ecografia vascular em laboratório. À tarde, dedica-se a procedimentos no centro cirúrgico ou em casos endovasculares. Entre uma atividade e outra, revisa exames, retorna ligações e alinha condutas com as equipes. “É uma rotina de transição constante, que só funciona com organização e comunicação eficientes”, afirma. Ao final do dia, reserva tempo para projetos científicos, revisão de trabalhos, elaboração de protocolos e produção de artigos.

Para ele, o maior desafio está na alternância contínua entre diferentes modos de atuação. “No PS, o tempo é curto e a prioridade é estabilizar; no ambulatório, aprofundar investigação; no centro cirúrgico, a concentração deve ser absoluta. A capacidade de mudar rapidamente de abordagem clínica, sem permitir interferências negativas entre os ambientes, é um dos pontos mais críticos da rotina. A isso se somam a sobrecarga logística e o impacto emocional”.

Na opinião do especialista, a organização do dia depende de três pilares: agenda inteligente, comunicação clara e padronização de condutas. Dr. Rafael procura agrupar procedimentos semelhantes, reduzir deslocamentos e manter contato constante com as equipes de apoio. “Protocolos padronizados encurtam etapas e minimizam retrabalhos”, explica. Nos dias de maior pressão, prioriza casos de maior gravidade — como isquemia aguda, hemorragias e aneurismas sintomáticos — e evita colocar atendimentos eletivos quando está escalado para serviços de emergência. “O imponderável sempre nos acompanha”, observa.

A tecnologia é uma aliada indispensável. Prontuário eletrônico integrado, telemedicina e aplicativos de gestão ajudam a organizar demandas, agilizar decisões e acompanhar pendências em meio a uma rotina dinâmica, com múltiplas frentes de atendimento e constantes mudanças de prioridade.

Ele também destaca que cada ambiente exige um raciocínio clínico próprio: o pronto-socorro demanda decisões imediatas; o ambulatório, investigação aprofundada; o centro cirúrgico, técnica e precisão. Para reduzir riscos, Dr. Rafael utiliza checklists institucionais, protocolos pessoais e reforça a importância de registros completos e comunicação direta com a equipe. “Evito assumir mais tarefas do que posso executar com qualidade”, diz.

O trabalho multidisciplinar é apontado por ele como condição indispensável para a sustentabilidade dessa rotina. “Nenhum vascular consegue operar, atender no PS e manter ambulatório sem enfermagem experiente, anestesia alinhada e radiologia intervencionista parceira.”

Mesmo com a formação técnica sólida, Dr. Rafael avalia que ainda há lacunas na residência em relação à gestão do tempo, liderança, tomada de decisão em contextos múltiplos e saúde mental, temas que, segundo ele, merecem maior atenção.

Para manter equilíbrio, segue uma rotina rígida de autocuidado: descanso regular, convívio familiar e hobbies fora da medicina. Ele toca piano, escreve literatura e mantém prática regular de exercícios. “Produtividade não é estar disponível 24 horas; cuidar de si é também cuidar do paciente”, ressalta.

Sobre limites de trabalho, reforça que não há número fixo, mas sinais claros: “Qualquer rotina que comprometa atenção, clareza de julgamento ou bem-estar pessoal já ultrapassou o limite seguro.”

Aos jovens colegas de profissão, deixa o conselho: “Organização, humildade, comunicação clara e capacidade de delegar. Sustentabilidade se constrói desde cedo.”

O cirurgião vascular defende mudanças estruturais para melhorar a prática do especialista que atua em vários serviços: integração de sistemas de prontuário, fluxos mais coordenados, equipes de apoio robustas e políticas institucionais de descanso adequado.

A sobrecarga médica no Brasil — e o alerta da APM

A realidade descrita pelo Dr. Rafael reflete um quadro mais amplo. Segundo o estudo “Qualidade de Vida do Médico 2025”, conduzido pela Associação Paulista de Medicina (APM), 45% dos médicos brasileiros relatam ter apresentado ao menos um transtorno mental, como ansiedade, depressão ou burnout — um aumento de 13% em relação ao ano anterior. O estudo aponta como causas principais a sobrecarga assistencial, múltiplos vínculos profissionais e a falta de tempo adequado para descanso e recuperação.

Essa convergência entre alta demanda e exaustão emocional reforça a urgência do debate sobre saúde mental entre médicos, especialmente em especialidades que transitam diariamente entre cenários críticos e de alta complexidade, como a Cirurgia Vascular.

Fonte: Associação Paulista de Medicina — Qualidade de Vida do Médico 2025

https://www.apm.org.br/45-dos-medicos-no-brasil-sofrem-com-ao-menos-um-tipo-de-transtorno-mental-taxa-atinge-mesmo-patamar-do-pos-pandemia-revela-novo-estudo/?utm_source=chatgpt.com

Dr. Rafael de Athayde Soares