O artista que sonha!
Por Dr. Fábio José Bonafé Sotelo*
“Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: – Diga trinta e três. – Trinta e três… Trinta e três… Trinta e três… – Respire – O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. – Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? – Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”
A poesia única e singular de Manuel Bandeira, publicada há 92 anos, traduz a cicatriz que uma vida marcada sob a sombra da espera da morte pela algoz doença traz sobre a vida do flagelado, sendo que a única ponta de esperança do enfermo repousa no seu médico.
O termo médico deriva do latim mederi que significa saber ou trilhar o melhor caminho, sendo o medicus aquele que é o responsável por percorrer essa trilha. Assim, Manuel Bandeira, como muitos enfermos, buscava neste conhecimento médico o caminho tão citado por Hipócrates de: “quando puder cure, quando não puder melhore, mas sempre atenue” o impacto da doença sobre os doentes.
Desde às origens, a ação de curar foi concebida mais como uma arte do que como uma técnica, aliando o status de primum non nocere (antes não prejudicar) à capacidade de ajudar o doente em seus aspectos mais amplos (psicológico, social e biológico). Dessa forma, a arte médica vem se aprimorando ao longo dos séculos e, desde o século XX, incorporou a base de dados de evidências clínicas populacionais para ampliar o potencial de resultados favoráveis nos tratamentos das numerosas doenças existentes.
O médico, então, como todo artista, é em sua base um sonhador, capaz de abnegar de seu conforto e até sua vida para a arte de tratar. E como com um escultor, trabalhar a pedra bruta de seu espírito para atingir o melhor para seu paciente. Sofre, angustia-se, estuda, questiona, corrige, ajusta, mas não deixa de se importar e estar ao lado do “leito do enfermo”. E isso, isso sim faz a diferença! Como fez durante toda a pandemia de Covid e durante muitas pandemias ao longo da história. Conflui o espírito positivista ao humanista.
Resiste bravamente ao utilitarismo e em deixar transformar a sua arte em mero artigo comercial, mesmo nos dias de hoje, com a tendência do domínio do capital sobre as necessidades populacionais e sobre o espírito de fraternidade.
Assim, o ser Médico, isso mesmo, Médico com M maiúsculo, com orgulho, vocação e dedicação, é mais que um emprego ou um trabalho, é uma forma de enxergar a humanidade leve, com fé em seu futuro pautado sob o prisma da ética, da paz, da liberdade, igualdade e fraternidade.
Esse sentimento sublime pôde ser traduzido por Mário de Andrade em seu livro “Há uma gota de sangue em cada poema”, com sua estrofe: “Ter razão é levar pelo atalho da fé. E as greis humanas, pela primavera. Quando a terra toda é florida como uma quimera. Conduzir para a luz, para a alegria. Para tudo que é róseo e que é risonho. Para tudo que é poema ou sinfonia, para o arrebol, para a esperança, para o sonho!…”
Dr. Fábio José Bonafé Sotelo
Angiologista, cirurgião vascular e diretor de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP)