Obstrução das carótidas provoca sequelas neurológicas graves
Estenose carotídea, causada por aterosclerose, compromete a função das artérias vitais que alimentam o cérebro. Prevenção e diagnóstico precoce são essenciais para evitar complicações fatais
As carótidas são artérias essenciais que transportam sangue rico em oxigênio e nutrientes para o cérebro. Cada indivíduo possui duas carótidas, localizadas uma de cada lado na região anterior do pescoço. Além delas, existem as artérias vertebrais, que também contribuem para a irrigação cerebral pela parte posterior do pescoço. Na região intracraniana, todas essas artérias se conectam em uma rica rede de circulação colateral, garantindo um suprimento adequado para o cérebro. No entanto, um dos principais problemas que afetam as carótidas é o estreitamento do vaso, conhecido como estenose, frequentemente causado pela aterosclerose. Essa condição é caracterizada pelo acúmulo de placas de gordura nas paredes dos vasos, acompanhada de inflamação e calcificação.
Segundo o cirurgião vascular e membro titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP), Dr. Celso Ricardo Bregalda Neves, os principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença aterosclerótica nas artérias carótidas incluem hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, diabetes mellitus, níveis elevados de colesterol, obesidade, sedentarismo e histórico familiar. Esses fatores contribuem significativamente para a saúde vascular e exigem a atenção e a prevenção para evitar complicações associadas.
De acordo com o Estudo Global Burden of Disease 2019 e a base de dados do SUS, as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil. Dentre elas, a doença arterial coronariana foi a principal causa de morte no país, seguida pelo AVC, no período de 1990 a 2019. Ainda segundo o estudo, a prevalência de Doença Cardiovascular (DCV) foi estimada em 6,1% da população e vem crescendo devido ao aumento e envelhecimento populacional. “A ocorrência da aterosclerose está aumentando rapidamente à medida que as pessoas vivem mais e estão expostas aos fatores de risco para esta doença. A aterosclerose é a principal causa de óbito no mundo todo”, discorre o médico.
O Dr. Neves explica que, na maioria dos casos, os pacientes não apresentam sintomas, uma vez que o fluxo sanguíneo diminuído na carótida estenosada é compensado pela outra carótida e/ou pelas artérias vertebrais. “É fundamental lembrar que o lado esquerdo do cérebro controla os movimentos e sensações do lado direito do corpo, e vice-versa. No entanto, o grande risco associado às placas localizadas na bifurcação carotídea não se resume apenas à redução do fluxo sanguíneo cerebral, mas também à possibilidade de que pequenos fragmentos de gordura ou coágulos possam se desprender e desta forma migrarem para os vasos do cérebro. Isso pode levar à perda de irrigação em áreas específicas, resultando na morte de neurônios e, consequentemente, em sequelas neurológicas que muitas vezes são definitivas”.
Impacto das doenças das carótidas na saúde geral
As doenças ateroscleróticas das carótidas podem ter um impacto muito grande na saúde geral do indivíduo, levando-o a eventos neurológicos graves. Uma das manifestações é o ataque isquêmico transitório (AIT), quando o sintoma neurológico dura no máximo 24 horas, mas geralmente persiste apenas por alguns minutos. Esses sintomas incluem paralisia e perda de sensibilidade em extremidades, além de desmaios e comprometimento da fala. Essa condição ocorre devido à superfície irregular da placa aterosclerótica, que libera pequenos coágulos, obstruindo artérias cerebrais e causando isquemia. É importante destacar que o grau de estenose está diretamente relacionado ao risco de formação dessas partículas, tornando os estreitamentos mais severos uma preocupação maior. Outra manifestação comum é a amaurose fugaz, que resulta na perda temporária da visão em um olho, causada por fragmentos de gordura que atingem a artéria oftálmica.
Além do AIT, o acidente vascular cerebral (AVC) representa uma condição ainda mais grave e prolongada. Os sintomas do AVC duram mais de 24 horas e variam em intensidade, podendo se tornar permanentes. Essa condição ocorre quando o suprimento sanguíneo para uma área do cérebro é interrompido de forma definitiva, resultando em um quadro conhecido popularmente como “derrame”. O AVC pode ser causado pela embolização de pequenas partículas ou por uma oclusão abrupta de uma carótida previamente estenosada. O comprometimento clínico varia desde uma leve diminuição da força até paralisia completa de um lado do corpo e perda da fala. Em casos mais severos, a isquemia é capaz de afetar áreas vitais do cérebro, levando a consequências fatais.
Diante desse cenário, o diagnóstico precoce de problemas nas carótidas é essencial para prevenir eventos neurológicos graves. “O AIT, por exemplo, atua como um sinal de alerta, e proporciona uma oportunidade para tratar o paciente antes que ocorra uma isquemia mais séria. Entretanto, a maioria dos pacientes que sofre um AVC não apresenta um evento neurológico transitório anterior. Quando um AIT é identificado, o atendimento deve ser prioritário, pois a chance de recidiva do AVC nos primeiros 15 dias ultrapassa 30%. Portanto, a demora no diagnóstico e no tratamento representa uma perda de oportunidade significativa”, ressalta o médico.
Ele também enfatiza que pacientes que sofreram um AVC ou AIT não devem receber alta sem uma investigação adequada da causa e sem a implementação de um tratamento eficaz. “A cirurgia para desobstrução da carótida pode ser indicada em alguns casos e visa prevenir novos episódios, ao invés de melhorar o quadro clínico já existente. Assim, o diagnóstico e a intervenção precoces são fundamentais para garantir a saúde e a qualidade de vida dos indivíduos afetados.”
O médico informa também que, a avaliação do fluxo e da estrutura da parede vascular das artérias carótidas podem ser realizadas de forma não invasiva por meio da ultrassonografia Doppler, que determina se a obstrução é maior ou menor que 70%. Para o planejamento cirúrgico, a angiotomografia computadorizada é o exame mais utilizado atualmente, enquanto a angiografia é empregada no contexto de tratamento durante procedimentos endovasculares.
“É fundamental que todos os portadores de estreitamento da carótida recebam tratamento clínico para abordar essa condição e prevenir eventos cardiovasculares. As principais recomendações incluem o controle rigoroso de fatores de risco, como hipertensão arterial, diabetes e colesterol elevado; a prática regular de exercícios físicos, que melhora o condicionamento cardiovascular e auxilia no controle de peso; e a eliminação do tabagismo, que prejudica a saúde vascular”, ressalta.