Especialista revela como conciliar tecnologia de ponta, inteligência artificial e técnicas minimamente invasivas
A Cirurgia Vascular enfrenta hoje um grande desafio: acompanhar a rápida evolução tecnológica da especialidade — de dispositivos endovasculares e técnicas minimamente invasivas a ferramentas de imagem e inteligência artificial — sem perder o equilíbrio entre conhecimento sólido, evidência científica e aplicabilidade prática no contexto brasileiro. Para o cirurgião vascular Dr. Marcelo Passos Teivelis, membro do Departamento de Informática e Dados Epidemiológicos da Regional São Paulo (SBACV-SP) e Professor Assistente da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, esse é o ponto central da prática contemporânea, que exige discernimento crítico para integrar o novo à rotina clínica de forma segura e eficaz.
Entre as tecnologias já consolidadas, ele evidencia os dispositivos de selamento vascular, que, quando bem indicados, proporcionam menor morbidade e potencialmente benefício econômico ao se levar em conta tempo em sala cirúrgica. Algumas técnicas, porém, ainda estão em debate. “Na cirurgia carotídea, vemos um movimento de retorno à cirurgia aberta como preferência, cabendo à angioplastia um papel mais restrito”, comenta. A técnica TCAR, por exemplo, traz benefício real a um grupo muito específico de pacientes e, segundo ele, “possivelmente não se consolidará como rotina para a maioria dos pacientes”.
Situação semelhante ocorre nas revascularizações de membros inferiores, em que o equilíbrio entre abordagens abertas e endovasculares depende do território e da condição clínica.
No tratamento endovascular de aneurismas de aorta infrarrenal, o especialista aponta vantagem em mortalidade perioperatória, mas ressalta que o benefício vem acompanhado de um “custo” de seguimento e possíveis reintervenções, exigindo vigilância contínua.
Entre as inovações mais impactantes nos últimos anos, o Dr. Marcelo destaca o ultrassom portátil, que revolucionou o implante de acessos vasculares ao ampliar a segurança de um procedimento rotineiro em diversas áreas médicas. Ele também frisa o avanço das plataformas de inteligência artificial, que compilam evidências científicas e respondem a perguntas com base em artigos recentes. “Isso é particularmente valioso diante da impossibilidade, já não apenas prática, mas humana, de acompanhar todas as publicações da especialidade”, observa.
Essas ferramentas, acessíveis inclusive em português, permitem atualização científica contínua e começam a integrar o cotidiano médico. Para ele, o futuro da educação e da atualização científica passa por uma combinação entre curadoria humana e suporte tecnológico inteligente, capaz de filtrar informações rapidamente sem comprometer a qualidade das fontes.
Quando o tema é manter-se atualizado, o Dr. Marcelo acredita que tecnologia e contato humano se complementam. “Serviços de inteligência artificial que filtram e resumem evidências facilitam a atualização diária. Mas os congressos continuam tendo papel essencial, pois proporcionam diálogo entre pares, troca de experiências e amadurecimento profissional. Essa combinação forma um ciclo virtuoso de aprendizado e prática segura”, afirma.
Mas, segundo Dr. Marcelo, a realidade brasileira impõe desafios próprios. Fora dos grandes centros, o acesso às tecnologias mais recentes nem sempre é viável. No entanto, ele alerta que a tecnologia mais avançada nem sempre é a melhor opção. Muitos estudos demonstram “não inferioridade”, o que não significa superioridade. “A incorporação de determinadas inovações nem sempre é custo-efetiva ou factível dentro dos recursos disponíveis”, ressalta, lembrando o exemplo do sistema de saúde norte-americano, que investe altos valores, mas não apresenta os melhores indicadores de expectativa de vida — evidência de que tecnologia isolada não garante melhores resultados.
A boa prática médica exige análise crítica da evidência e adequação ao contexto, já que o mais importante não é ter acesso ao recurso mais caro ou mais novo, mas sim utilizar a conduta que traga benefício comprovado ao paciente e ao sistema de saúde. Essa reflexão converge com o posicionamento da Associação Paulista de Medicina (APM), que alerta para a necessidade de incorporar inovações de forma ética e responsável, preservando o papel central do médico e o cuidado humanizado. Segundo a entidade, “a tecnologia deve servir à medicina e não substituí-la”, lembrando que o entusiasmo tecnológico deve caminhar lado a lado com a formação sólida, infraestrutura adequada e senso crítico. (Fonte: Associação Paulista de Medicina – “Tecnologia, Medicina e Sociedade”, APM, 2024.)
Nesse sentido, a inovação tecnológica deve seguir a ciência, e não o contrário. O cirurgião cita exemplos de dependência tecnológica positiva, como a colecistectomia videolaparoscópica, consolidada pela clara superioridade sobre a técnica aberta.
Aos cirurgiões vasculares mais jovens, o Dr. Marcelo deixa um conselho: “Antes de tentar dominar todas as novidades, é fundamental construir uma base sólida e desenvolver espírito crítico. O conhecimento técnico pode envelhecer, mas a capacidade de análise permanece. E as novidades mudam rapidamente, pois o que é de ‘última geração’ hoje, pode estar ultrapassado em cinco anos. Já o olhar crítico sobre a evidência acompanhará o cirurgião por toda a carreira.”





