Comunicação estruturada, empatia e suporte emocional fortalecem a relação de confiança com o paciente
No atendimento em consultório, é frequente que o momento do diagnóstico venha acompanhado de emoções intensas, como ansiedade, insegurança e medo — especialmente diante de quadros mais graves ou com indicação cirúrgica. Ainda que essas reações não estejam diretamente relacionadas às condutas clínicas, seu impacto é evidente: influenciam a adesão ao tratamento, a qualidade da relação médico-paciente e, em muitos casos, os próprios resultados terapêuticos.
Diante desse cenário, o cirurgião vascular ocupa um papel estratégico que vai além da técnica. Ao atuar na linha de frente do diagnóstico, da conduta médica e da execução de procedimentos, muitas vezes complexos, esse especialista é também um ponto de apoio emocional em momentos delicados.
Para a diretora Científica da SBACV-SP, Dra. Grace Mulatti, esse acolhimento começa pela clareza na comunicação. “A primeira coisa que tento fazer é trazer o paciente para a realidade dos fatos, fazer com que ele compreenda bem a doença, o que está acontecendo e as opções dele. E mesmo que a chance de sucesso não seja garantida, quando ele entende que existem alternativas, isso já traz alento”, ressalta.
Ela também destaca a importância de apresentar essas possibilidades com empatia e de maneira compreensível, respeitando o tempo e o nível de entendimento de cada um. “Quando a pessoa sabe que tem mais de uma opção, e que se uma falhar a outra pode ser tentada, isso diminui a sensação de fim de linha. E é fundamental que perceba que o médico está com ela, mesmo na adversidade”, afirma.
Essa abordagem se traduz na prática da chamada tomada de decisão compartilhada, em que o médico envolve o indivíduo — e, quando necessário, seus familiares — no processo terapêutico. “É uma construção de confiança. Muitas vezes, o melhor caminho é não seguir com o tratamento, quando os riscos superam os benefícios. Mas essa decisão precisa ser feita em conjunto, com o paciente compreendendo e participando.”
Além disso, a Dra. Grace defende que o suporte psicológico deve ser considerado de maneira antecipada. “Eu acho que os psicólogos trazem ótimos insights e um bom repertório para lidar com essas situações. Mas, infelizmente, o reconhecimento da necessidade do psicólogo costuma ser feito tardiamente. Muitas vezes, o profissional é acionado apenas quando o convalescente já passou por um desfecho grave, como a perda de um membro ou uma cirurgia de grande porte. O ideal seria que ele fosse envolvido logo no início, quando a doença grave é identificada, para ajudá-lo a lidar com o medo, a dor e a perda de autonomia de maneira mais estruturada”, reforça.
Escuta ativa e apoio familiar no cuidado ao paciente
Na avaliação da Dra. Marita von Rautenfeld, o primeiro passo do acolhimento emocional está na escuta ativa. “Em primeiro lugar ouvir o paciente, deixá-lo falar, reservar tempo para que se expresse, e, ao mesmo tempo, conduzir a conversa com cuidado, sem que ele se sinta pressionado ou se perca no relato”, explica. Ela observa ainda que a comunicação de um problema grave deve ser personalizada, de acordo com o perfil do paciente. “Alguns preferem ouvir de forma direta, preto no branco. Outros precisam ser induzidos a perceber o que está acontecendo, de maneira gradual e cuidadosa, sem que joguemos a informação como um choque.”
Dra. Marita também reforça a importância de envolver os familiares: “Chamar a família para compartilhar, apoiar e oferecer suporte conjunto ao paciente é fundamental. Isso ajuda o paciente a lidar melhor com o diagnóstico e fortalece o processo de cuidado.”
Para ela, o suporte psicológico tem impacto direto no tratamento. “É de total importância! Ainda mais se o paciente tem um problema que o afasta da vida social, ou exige que familiares mudem sua rotina para cuidar dele. Sempre há reverberação positiva quando o paciente é ouvido e nenhuma dúvida ou ansiedade é ignorada. Esse suporte pode ajudar a revelar aspectos do subconsciente do paciente e facilitar o entendimento sobre o tratamento e as expectativas, sejam de sucesso total ou parcial”, ressalta.
Dra. Grace acrescenta que a comunicação é uma habilidade que precisa ser desenvolvida pelos profissionais de saúde. Em um cenário em que o indivíduo em tratamento é exposto a uma avalanche de informações — muitas vezes desencontradas ou sem base científica — o espaço da fala médica precisa ser bem ocupado. “Se o médico não se comunica bem, ele abre espaço para interferências externas. Por isso, é fundamental que ele informe claramente quando a situação é grave, apresente as opções disponíveis e assegure que o paciente compreenda plenamente o cenário para tomar decisões conscientes”.
Esse processo passa também pelo que se conhece como letramento em saúde: adaptar a linguagem médica à realidade e ao nível de compreensão de cada pessoa. “É papel do médico garantir que a parte interessada entenda realmente o que está acontecendo. Só assim ela poderá tomar decisões informadas e conscientes”, conclui Dra. Grace.
Dra. Marita complementa: “Devemos ter tempo para ouvir o paciente e treinamento para perceber o que ele nos comunica com sua postura, movimentação corporal. É preciso demonstrar misericórdia e compaixão, mas também transmitir segurança. Mostrar que o médico, mesmo com suas fragilidades humanas, pode ser um porto seguro.”
Questionada sobre a inclusão rotineira de apoio psicológico nos protocolos, ela é enfática: “Sim, totalmente. Todo paciente que fuma, por exemplo, traz questões mais profundas — o tabagismo pode simbolizar carências ou ser uma válvula de escape. A procrastinação, a baixa autoestima, a depressão, ou até a resistência inconsciente à cura de uma ferida revelam que há algo emocional ali. Todo paciente com ferida precisa de suporte psicológico, assim como sua família. A ferida, muitas vezes, também está na alma.”
Ao reconhecer que saúde emocional e saúde vascular caminham juntas, o cirurgião amplia seu papel como cuidador. Um atendimento humanizado, que considera a escuta, a comunicação clara e o suporte psicológico, é mais do que uma prática sensível — é uma estratégia clínica com impacto direto nos resultados.

Dra. Grace Mulatti

Dra. Marita von Rautenfeld