Código de Ética Médica brasileiro prevê que atos médicos invasivos são privativos de médicos
Imagine uma fábrica automotiva especializada em carros de corrida — somente engenheiros mecânicos com extensa formação podem desenhar e ajustar o motor e o chassi com segurança. Agora imagine que aerodinamicistas, pintores e até designers entram na linha de montagem e começam a “mexer no motor”, sem o treinamento específico: é provável que um motor exploda ou que o carro quebre.
Do mesmo modo, quando profissionais sem residência, sem formação específica em Cirurgia Vascular ou até não médicos (enfermeiras, fisioterapeutas, biomédicos) passam a atuar em procedimentos arteriais ou venosos invasivos — como colocação de endoprótese, escleroterapia ou tratamentos a laser — ocorre uma “invasão técnica” que expõe o paciente a riscos e compromete a credibilidade da especialidade.
O Código de Ética Médica brasileiro prevê que atos médicos invasivos são privativos de médicos, pois tais intervenções exigem diagnóstico, indicação, execução e responsabilidade clínica completas — não podem ser delegadas nem supervisionadas por mera “coordenação” de um especialista quando quem executa não é médico.
Ainda que o cirurgião vascular deseje criar uma clínica com “braços operacionais” não médicos sob sua supervisão, isso esbarra em princípios éticos da autonomia profissional e responsabilidade médica: ele não pode assumir responsabilidade por atos que não realizará pessoalmente ou que não esteja capacitado legalmente a supervisionar individualmente. O médico pode ser responsabilizado ética e juridicamente por danos causados por quem atua sob seu letreiro, especialmente se não houver vínculo formal que assegure que o procedimento seguiu padrão técnico reconhecido.
Portanto, a defesa profissional do cirurgião vascular não está em depender de “operários técnicos” não médicos atuando por delegação irregular, mas em reafirmar o valor da especialização, denunciar invasões ilegítimas e buscar modelos organizacionais em que toda atividade invasiva sempre esteja sob responsabilidade direta e efetiva do médico.
Nesse cenário, o cirurgião vascular pode sim se enxergar como empreendedor — liderando clínicas seguras e éticas — mas sempre garantindo que os atos técnicos exclusivos permaneçam sob sua alçada profissional e técnica.

Dr. Michel Nasser
Vice-diretor de Defesa Profissional da SBACV-SP




