Pesquisa, com mais de 700 cirurgiões vasculares norte-americanos, mostrou que a maioria relata dores de moderadas a fortes após um dia de procedimentos
Cuidar da própria saúde é um desafio silencioso na rotina de quem dedica a vida a cuidar dos outros. Para a cirurgiã vascular Dra. Inez Ohashi Torres Ayres, membro da SBACV-SP, discutir prevenção de doenças ocupacionais e promoção do bem-estar é essencial para a longevidade na carreira e para a manutenção da qualidade do cuidado aos pacientes.
“Na minha opinião, o maior risco ocupacional enfrentado pelos cirurgiões vasculares é a exposição à radiação ionizante”, aponta. Uma metanálise publicada no Journal of Vascular Surgery em 2025 demonstrou que essa exposição pode causar danos agudos e crônicos ao DNA de profissionais que realizam procedimentos endovasculares, aumentando o risco de desenvolver cânceres como leucemia, câncer de tireoide, de pele e do sistema nervoso central¹. Outro estudo revelou também maior incidência de câncer de mama entre mulheres expostas ocupacionalmente à radiação².
Além disso, ela lembra que há riscos relacionados à exposição a agentes biológicos — evidenciados durante o surto de sarampo e a pandemia de Covid 19 —, bem como acidentes com materiais perfurocortantes e problemas posturais decorrentes das longas horas em pé. “A rotina cirúrgica exige alta atenção e tomada de decisões em procedimentos longos e desafiadores, o que pode gerar ansiedade e estresse. A sobrecarga de trabalho e o assédio no ambiente profissional também afetam a saúde e o bem-estar”.
O desgaste musculoesquelético é outro ponto crítico. Um estudo com mais de 500 residentes de Cirurgia Vascular nos Estados Unidos revelou que 38% apresentavam dores moderadas a severas após um dia de trabalho; 67% faziam uso regular de medicação, mesmo com a adoção de medidas ergonômicas³. “É fundamental orientar sobre postura e implementar pequenos intervalos durante o dia, desde a residência médica. Ajustes na altura da mesa cirúrgica, no tamanho das luvas e do instrumental também reduzem o risco de dor e lesão”, explica.
Ela acrescenta que a prática de atividade física é indispensável para suportar as longas horas em pé, muitas vezes sob proteção de chumbo. Outra pesquisa, com mais de 700 cirurgiões vasculares norte-americanos, mostrou que a maioria relata dores de moderadas a fortes após um dia de procedimentos — 8,3% chegaram a se afastar temporariamente da sala cirúrgica⁴. “Esse desconforto afeta a longevidade na carreira e está relacionado ao burnout”.
Reconhecer os sinais precoces de esgotamento emocional é essencial. “O burnout é uma condição extremamente frequente. Precisamos estar atentos à despersonalização, ao esgotamento emocional e às alterações de humor e de relacionamento interpessoal. Identificar cedo esses sinais é o primeiro passo para oferecer suporte adequado”, destaca.
Segundo a médica, medidas simples podem fazer grande diferença: “Realizar pausas, ajustar a ergonomia do ambiente e organizar a agenda de forma equilibrada ajudam a preservar a saúde do cirurgião. Manter hidratação, alimentação adequada e postura consciente, além de alternar posições sempre que possível, contribuem para prevenir lesões, fadiga e estresse. Essas ações melhoram o desempenho e promovem bem-estar físico e mental”, reforça.
As evidências científicas confirmam que o tema deve ser tratado com seriedade. Um estudo com 872 cirurgiões vasculares americanos mostrou que 41% apresentavam sinais de burnout, 37% sintomas de depressão e 8% ideação suicida⁵. Entre os fatores associados estão carga horária excessiva, sobreaviso frequente e conflitos entre vida pessoal e profissional. Na Dinamarca, 80% dos cirurgiões vasculares e residentes relataram burnout associado ao ambiente psicossocial de trabalho⁶. Já no Canadá, 83% dos profissionais relataram dor relacionada ao trabalho — principalmente nas regiões lombar, cervical e ombros —, e 14% consideraram aposentadoria precoce por causa disso⁷.
Apesar da gravidade dos números, a discussão ainda é incipiente na formação médica. “Há uma relutância em abordar o autocuidado, tanto durante a residência quanto na prática profissional. Isso só ganha relevância quando o médico enfrenta um problema grave. Atividade física, descanso e suporte psicológico deveriam ser incorporados desde o início da carreira”, defende a Dra. Inez.
Ela observa que no Brasil as condições de trabalho impõem desafios adicionais. “A maioria dos cirurgiões possui múltiplos vínculos, o que dificulta o controle da exposição à radiação e a conciliação das escalas. A remuneração insuficiente e o excesso de demandas também comprometem o autocuidado. Ainda assim, experiências internacionais oferecem bons exemplos: suporte psicológico institucional, ambiente de trabalho saudável, orientação sobre ergonomia, uso adequado de proteção radiológica e monitoramento da exposição à radiação. São medidas que poderiam ser implementadas também aqui”.
Segundo a médica, a prevenção deve ser individualizada. “Cada profissional tem um perfil de risco distinto, determinado por idade, sexo, tempo de carreira e tipo de atuação. Cirurgiões mais jovens tendem ao burnout; os mais experientes, às lesões musculoesqueléticas. A prevenção eficaz precisa considerar essas diferenças”.
Como conselho aos colegas de trabalho, a Dra. Inez destaca que o equilíbrio é uma escolha ativa. “Recomendo aos cirurgiões vasculares que invistam em autoconhecimento para equilibrar prioridades pessoais e profissionais. Valorizar a própria saúde é essencial para prolongar a carreira com qualidade de vida”.
Ela também pontua que a prática regular de exercícios, alimentação equilibrada, descanso adequado, tempo com a família e amigos, ajustes ergonômicos, alongamentos e suporte psicológico quando necessário são indispensáveis. “Manter-se atualizado quanto às boas práticas de segurança, respeitar os próprios limites e buscar ambientes com relações saudáveis são atitudes fundamentais. Cuidar de si é parte do compromisso com o paciente”, conclui.
Referências
- Maris EL, Klaassen J, Hazenberg CEVB, Petri BJ, Trimarchi S, van Herwaarden JA. Systematic review on radiation-induced DNA damage and cancer risk in endovascular operators. J Vasc Surg. 2025 Aug 26:S0741-5214(25)01606-4.
- Cristófalo MM, Reis YN, Maesaka JY, Mota BS, Júnior JMS, Baracat EC, Filassi JR. Occupational Exposure to Ionizing Radiation in Female Physicians and Breast Cancer Risk: A Systematic Review and Meta-analysis. Clin Breast Cancer. 2025 Aug 20:S1526-8209(25)00240-X.
- Pillado E, Li RD, Chia MC, Eng JS, DiLosa K, Grafmuller L, Conway A, Escobar GA, Shaw P, Sheahan MG 3rd, Bilimoria KY, Hu YY, Coleman DM. Reported pain at work is a risk factor for vascular surgery trainee burnout. J Vasc Surg. 2024 May;79(5):1217-1223.
- Wohlauer M, Coleman DM, Sheahan MG, Meltzer AJ, Halloran B, Hallbeck S, Money SR; SVS Wellness Task Force. Physical pain and musculoskeletal discomfort in vascular surgeons. J Vasc Surg. 2021 Apr;73(4):1414-1421.
- Coleman DM, Money SR, Meltzer AJ, Wohlauer M, Drudi LM, Freischlag JA, Hallbeck S, Halloran B, Huber TS, Shanafelt T, Sheahan MG; SVS Wellness Task Force. Vascular surgeon wellness and burnout: A report from the Society for Vascular Surgery Wellness Task Force. J Vasc Surg. 2021 Jun;73(6):1841-1850.e3.
- Møller CM, Clausen T, Aust B, Eiberg JP. A cross-sectional national study of burnout and psychosocial work environment in vascular surgery in Denmark. J Vasc Surg. 2022 May;75(5):1750-1759.e3.
- Sarwal G, Tobias G, Taylor DC, Misskey JD, Hsiang YN. Survey of Canadian vascular surgeons and trainees finds work-related musculoskeletal pain and discomfort is common. J Vasc Surg. 2022 Apr;75(4):1431-1436.





