Para se resguardar, o profissional deve registrar a política de retornos, incluindo prazos, condições e limites, em contrato, consentimento e prontuário
A gratuidade da consulta de retorno, embora amplamente praticada, ainda gera dúvidas entre médicos e pacientes. Do ponto de vista jurídico, não há uma legislação que imponha, de forma genérica, a obrigatoriedade de não cobrança. No entanto, como explica a advogada especialista em Direito da Saúde e sócia do escritório Lara Martins Advogados, Nycolle Soares, a Resolução CFM nº 1.958/2010 estabelece que a consulta médica é um ato complexo e, por isso, pode não se encerrar em um único momento, principalmente quando depende da realização e análise de exames complementares.
Segundo a especialista, nessas situações, o retorno para avaliação dos exames não configura uma nova consulta, mas sim a continuidade da primeira. Assim, não deve haver nova cobrança de honorários. “Negar esse retorno pode ser interpretado como omissão de cuidado ou até abandono terapêutico, principalmente quando o diagnóstico ou tratamento ainda não foi concluído. Tal conduta pode gerar responsabilidade ética, civil e até administrativa para o profissional ou para o estabelecimento de saúde”, informa a advogada.
A 1ª secretária da Associação Médica Brasileira (AMB) e membro da Comissão Nacional em Defesa dos Direitos no Trabalho da Mulher Médica, Dra. Maria Rita de Souza Mesquita, reforça esse entendimento: “A Resolução CFM nº 1.958/2010 estabelece que a consulta médica compreende anamnese, exame físico, elaboração de hipóteses diagnósticas, solicitação de exames complementares e prescrição terapêutica como ato médico completo, que pode ser concluído ou não em um único momento. Quando há necessidade de exames que não podem ser apreciados na mesma consulta, o ato continua, com tempo determinado a critério do médico, sem nova cobrança de honorários. Essa é a chamada ‘consulta de retorno’, que é a continuidade da primeira, e não um novo atendimento. Já se for uma nova queixa, com outro diagnóstico, aí sim pode haver nova cobrança. E não há prazo fixo para isso, pois vai depender do caso clínico, não do tempo transcorrido.”
O diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina (APM), Dr. Marun David Cury, também destaca a importância clínica do retorno. “O médico costuma pedir o retorno do paciente de uma semana a dez dias, principalmente se foram solicitados exames. O profissional precisa avaliar os exames para indicar o tratamento. Em relação aos atendimentos das operadoras de planos de saúde, geralmente pedem um prazo de 15 a 30 dias. O fato é que o paciente, depois da consulta, pode fazer exames e retornar, sem prejuízo”, afirma.
Além disso, a ausência de uma política clara sobre retornos pode fragilizar a defesa do médico em eventuais processos por erro de diagnóstico ou omissão de conduta terapêutica. Também pode gerar conflitos com operadoras de saúde e pacientes, sendo interpretada como quebra do dever de cuidado. Para se resguardar, os médicos devem estabelecer, de forma clara e documentada, sua política de retornos, incluindo prazos, condições e eventuais limitações. Essa política pode constar em contrato de prestação de serviços, termo de consentimento informado e, principalmente, no prontuário do paciente, onde devem ser registradas todas as orientações relativas ao retorno e os motivos clínicos que as justificam. “O prontuário é peça-chave na defesa do médico, inclusive em alegações de omissão de cuidado ou erro médico”, confirma Nycolle.
Há jurisprudência que reconhece a responsabilidade do profissional quando a ausência de retorno impede a conclusão do diagnóstico ou do tratamento. Casos em que o médico não entrega a conduta final por falta de retorno, ou cobra por uma segunda consulta que se refere à mesma queixa inicial podem ser interpretados como falha na prestação do serviço.
A falta de critérios bem definidos também dificulta a comprovação de que o retorno foi oferecido, recusado ou não comparecido pelo paciente, o que configura falha no dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. Por isso, é igualmente recomendável que o não comparecimento ao retorno seja formalizado, com registro no prontuário e, se possível, tentativa de contato documentada.
No atendimento particular, há maior flexibilidade na definição das regras, desde que sejam respeitados os princípios da boa-fé e da transparência. Já nos atendimentos por convênios ou pelo SUS, devem-se seguir as diretrizes contratuais e normativas específicas. Em qualquer contexto, o entendimento predominante é que não se pode cobrar por um retorno que represente a continuação de uma consulta ainda não finalizada.
A cobrança de retorno pode ser considerada abusiva, mesmo no setor privado, especialmente quando não há clareza na política de atendimento ou quando o paciente retorna para apresentar exames solicitados na primeira consulta, ainda dentro do mesmo episódio clínico. “A recusa ao retorno gratuito, por sua vez, é admissível apenas em situações específicas, como nova queixa clínica, alta já concedida ou retorno fora do prazo previamente definido e informado”, esclarece Nycolle.
Em um cenário de crescente judicialização da saúde, a adoção de uma política transparente de retornos é uma medida preventiva eficaz, tanto para garantir a segurança jurídica do médico quanto para promover um cuidado mais ético e responsável ao paciente.

Dra. Nycolle Soares
Advogada especialista em Direito da Saúde

Dra. Maria Rita de Souza Mesquita
1ª secretária da AMB e membro da Comissão Nacional em Defesa dos Direitos no Trabalho da Mulher Médica

Dr. Marun David Cury
Diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina (APM)