Os novos dados do CREST-2 reacenderam discussões importantes sobre o manejo da carótida assintomática. E, diante das reflexões que o estudo trouxe, Dr. Marcia Morales compartilha sua opinião sobre alguns pontos que considera essenciais — especialmente sobre a importância da indicação individualizada, da influência da anatomia e do papel do tratamento clínico moderno

“To ensure patient safety and give stenting the best possible chance of demonstrating net benefits in stroke prevention, CREST‐2 adopted a rigorous procedure for evaluating, monitoring, and approving operators to enroll in the trial.”  Meschia et al.

 Os investigadores do CREST-2 partiram do princípio de que as técnicas stent (CAS) e endarterectomia (CEA) são complementares e não competitivas e excludentes.  Utilizaram-se dos aprendizados com o CREST e com o SPACE-2 para desenhar um estudo que garantisse ao paciente as melhores oportunidades de bons resultados. 

Para isso, decidiram, para estudar o papel do tratamento clínico nas estenoses carotídeas assintomáticas >70%, realizar dois estudos multicêntricos paralelos: 1) BMT VERSUS CAS+BMT; 2) BMT VERSUS CEA + BMT

Essa tomada de decisão considerou o desempenho ruim do SPACE-2 que, ao fazer três “braços” de estudo (BMTXCASXCEA), não conseguiu incluir os casos que necessitava e foi interrompido prematuramente. 

A inclusão de 155 centros e cinco países primou por eleger centros ultra-especializados em CAS. Chama a atenção o fato de que entre os 220 centros especializados em CAS, somente 29 (13%) eram compostos por cirurgiões vasculares.     

A pergunta que o CREST-2 objetivava responder era se revascularizar uma carótida assintomática com estenose maior ou igual a 70% traria algum benefício. Não era o objetivo do estudo comparar CAS e CEA; o foco central do CREST-2 é o tratamento clínico.

O que se observou foi um risco de AVC baixo no perioperatório nos dois estudos multicêntricos paralelos, tanto no grupo dos stents quanto no das endarterectomias, mantendo-se reduzido durante os quatro anos subsequentes.

A surpresa paradoxal de os stents terem atingido efeito benéfico com significância estatística, enquanto a endarterectomia não, provavelmente se deveu a dois postos-chaves relacionados à metodologia e à estatística do estudo:

 

  • Seleção dos casos

Os centros tinham liberdade para definir se o paciente participaria do estudo CAS ou CEA. Para isso, foram aplicados critérios rigorosos de exclusão, especialmente baseados em características anatômicas (vale a pena prestar muita atenção a esses critérios (*)).

Essa ultrasseleção de casos pode ter favorecido o excelente desempenho dos stents. Os resultados excelentes dos stents em pacientes assintomáticos de anatomia muito favorável somente reforça o que a última diretriz norte-americana já indicava: CAS e CEA beneficiam pacientes assintomáticos desde que a anatomia seja favorável para cada técnica. 

 

  • Fragilidade estatística

Na era do tratamento clínico moderno, os riscos passaram a ser muito baixos, exigindo um número amostral muito elevado nos estudos comparativos entre BMT, CAS e CEA.

Com aproximadamente 1.240 pacientes em cada estudo, os desfechos primários objetivados eram qualquer AVC e óbito em 44 dias e AVC ipsilateral em 4 anos. O que vimos no trial CAS no acompanhamento de 4 anos foi 6% de eventos no grupo BMT contra 2,8 no grupo CAS, com risco relativo de 3,2 e NNT de 31 pacientes; nos primeiros 44 dias tivemos 1,3% de eventos no grupo CAS e zero no BMT; o risco anual de AVC no grupo BMT foi de 1,7%. Enquanto no grupo CAS foi de 0,4%. O risco relativo foi de 4,07.

No trial CEA, no acompanhamento de 4 anos, tivemos 5,3% de eventos no grupo BMT contra 3,7% no grupo CEA, com risco relativo de 1,4.  Em 44 dias tivemos 0,5% de eventos no BMT e 1,5% no grupo CEA. O risco anual de AVC após 44 dias foi de 1,3% para BMT contra 0,5% para CEA com risco relativo de 2,38.

Se combinarmos a análise dos resultados de periprocedimento a longo prazo, teremos risco anual de evento de 1,6% para CAS e 1,4% para CEA.

O número amostral e a baixa ocorrência de eventos geraram um limiar extremamente estreito para atingir significância, o que confere ao estudo uma fragilidade estatística relevante.

A variação de três ou quatro eventos no grupo CAS, ou de seis eventos no grupo CEA, já seria suficiente para mudar as conclusões, evidenciando a fragilidade dos resultados e os cuidados que devemos ter nessa interpretação.

O fato de o estudo ser open label para pacientes e para os médicos que prestavam assistência também pode ter afetado esses desfechos.

É importante compreender que comparar CAS versus BMT em um grupo e CEA versus BMT em outro não permite extrapolar que CAS seja superior à CEA em pacientes assintomáticos.

O estudo demonstra que CAS foi superior ao BMT em uma população ultrasselecionada por anatomia favorável e tratada em centros altamente especializados.

Por outro lado, a CEA, embora não tenha atingido superioridade estatística, apresentou risco perioperatório muito baixo (1,5%) — melhor do que o preconizado (<3%) e risco anual subsequente de apenas 0,5%.

A meu ver, o dado mais relevante do estudo é o risco anual de AVC no grupo BMT (1,7%), superior ao risco anual observado nos grupos CAS e CEA.

Esses achados reforçam o papel do tratamento clínico moderno na doença carotídea assintomática, mas não permitem extrapolação conclusiva sobre a comparação direta entre as duas técnicas.

Assim, seria prematuro e equivocado afirmar que a endarterectomia não é adequada para pacientes assintomáticos com estenose acima de 70%.

O que pode ser afirmado é que CAS, em pacientes com anatomia altamente favorável, mostrou-se superior ao tratamento clínico para prevenção de AVC nesta amostra.

Um estudo futuro comparando diretamente CAS versus CEA será necessário para identificar a melhor técnica para cada perfil anatômico.

Por fim, considero importante destacar os critérios utilizados para excluir pacientes do trial de stent e reforçar que, se seguirmos sabendo que teremos benefício em revascularizar uma carótida assintomática com estenose > 70%, desde que escolhamos a melhor técnica para cada paciente, respeitando sua anatomia, já teremos uma contribuição inestimável do CREST-2.

“Rather than considering carotid stenting and endarterectomy to be rival procedures, they ought to be seen as

complementary, with some patients more suited to one procedure over another.” Meschia et al.

 

 (*) Critérios de exclusão do CREST-2 para CAS

Specific Carotid Artery Stenting Exclusion Criteria

Patients who are being considered for revascularization by CAS must not have any of the following criteria:

  1. Allergy to intravascular contrast dye not amenable to pre-medication.
  2. Type III, aortic arch anatomy.
  3. Angulation or tortuosity (≥ 90 degree) of the innominate and common carotid artery that precludes safe, expeditious sheath placement or that will transmit a severe loop to the internal carotid after sheath placement.
  4. Severe angulation or tortuosity of the internal carotid artery (including calyceal origin from the carotid bifurcation) that precludes safe deployment of embolic protection device or stent. Severe tortuosity is defined as 2 or more ≥ 90 degree angles within 4 cm of the target stenosis.
  5. Proximal/ostial common carotid artery (CCA), innominate stenosis or distal/intracranial stenosis greater than index lesion.

Excessive circumferential calcification of the stenotic lesion defined as >3mm thickness of calcification seen in orthogonal views on fluoroscopy.(Note: Anatomic considerations such as tortuosity, arch anatomy, and calcification must be evaluated even more carefully in elderly subjects (≥ 70 years).)

  1. Target ICA vessel reference diameter <4.0 mm or >9.0 mm. Target internal carotid artery (ICA) measurements may be made from angiography of the contralateral artery. The reference diameter must be appropriate for the devices to be used.
  2. Inability to deploy or utilize an FDA-approved Embolic Protection Device (EPD).
  3. Non-contiguous lesions and long lesions (>3 cm).
  4. Qualitative characteristics of stenosis and stenosis-length of the carotid bifurcation (common carotid) and/or ipsilateral external carotid artery, that preclude safe sheath placement.
  5. Occlusive or critical ilio-femoral disease including severe tortuosity or stenosis that necessitates additional endovascular procedures to facilitate access to the aortic arch or that prevents safe and expeditious femoral access to the aortic arch. “String sign” of the ipsilateral common or internal carotid artery.
  6. Angiographic, computed tomography (CT), magnetic resonance (MR) or ultrasound evidence of severe atherosclerosis of the aortic arch or origin of the innominate or common carotid arteries that would preclude safe passage of the sheath and other endovascular devices to the target artery as needed for carotid stenting.

Referências:

Meschia JF, Edwards L, Roubin G, Brott TG, Lal BK. CREST-2 Commitment to Rigorous Assessment of Carotid Stenting for Primary Prevention of Stroke. Stroke Vasc Interv Neurol. 2024 May;4(3):e001227. doi: 10.1161/svin.123.001227. Epub 2024 Apr 5. PMID: 40630854; PMCID: PMC12237416.

 Brott TG, Howard G, Lal BK, Voeks JH, Turan TN, Roubin GS, Lazar RM, Brown RD Jr, Huston J 3rd, Edwards LJ, Jones M, Clark WM, Chamorro Á, Llull L, Mena-Hurtado C, Heck D, Marshall RS, Howard VJ, Moore WS, Barrett KM, Demaerschalk BM, Sangha N, Aronow H, Foster M, Sternbergh WC 3rd, Shawl F, Lanzino G, Rapp J, Tran HS, Ecker R, Mackey A, Ali V, Given C 2nd, Teal P, Kashyap VS, Mukherjee D, Harrigan M, Silverman S, Koopmann M, Wadley VG, Zhang Y, Rhodes JD, Chaturvedi S, Meschia JF; CREST-2 Investigators. Medical Management and Revascularization for Asymptomatic Carotid Stenosis. N Engl J Med. 2025 Nov 21. doi: 10.1056/NEJMoa2508800. Epub ahead of print. PMID: 41269206.

Dra. Marcia Morales