Entenda como oferta e demanda influenciam a prática médica e a autonomia profissional
Em São Paulo, a tabela de honorários médicos é, em média, mais alta do que em outras regiões do país. À primeira vista, isso poderia parecer uma vantagem para o cirurgião vascular, mas a realidade é mais complexa. A dinâmica de oferta e procura, os modelos de negociação com operadoras e hospitais, e até a disponibilidade de materiais e técnicas influenciam diretamente a prática assistencial e a autonomia do médico.
Segundo o cirurgião vascular Dr. Carlos Eduardo Varela, membro do Departamento de Gestão de Relacionamento com Planos Privados da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP), não se pode analisar os valores de forma isolada. “Assim como na economia, na vida tudo é uma questão de oferta e demanda. Em São Paulo, embora haja muitos profissionais de altíssima qualidade, a oferta também é grande, já que o estado concentra diversos centros de referência em Cirurgia Vascular. Isso faz com que, na média, os valores pagos sejam um pouco maiores. Em alguns casos, por acordos específicos, é possível encontrar valores ainda superiores aos praticados na capital.”
Impactos sobre materiais e técnicas
Uma dúvida comum é se a diferença na tabela de honorários influencia a disponibilidade de materiais ou técnicas, especialmente em procedimentos endovasculares. Para o Dr. Varela, o impacto é indireto e depende das negociações locais. “Essa é uma negociação entre prestadores e operadoras. Se um grupo de médicos ou uma cooperativa entra em acordo com uma operadora, podem definir que determinados materiais de custo mais controlado sejam priorizados. Mas o médico continua tendo a prerrogativa legal e ética de indicar os melhores materiais, podendo designar até três fornecedores diferentes. O problema é que, quando há desequilíbrio entre oferta e demanda, a força de negociação do médico diminui, e isso pode restringir sua liberdade assistencial.”
Na prática, isso se reflete em proporções distintas. “Se pensarmos empiricamente, cerca de 70% dos casos podem ser resolvidos com materiais padronizados, de qualidade semelhante. Mas, em aproximadamente 30% dos casos, há a necessidade de dispositivos mais específicos, menos disponíveis e de custo mais elevado. É justamente aí que contratos mal estruturados podem engessar o médico e dificultar o uso do que seria mais adequado ao paciente.”
A força da negociação coletiva
O Dr. Varela enfatiza que os riscos aumentam quando negociações são feitas de forma individualizada. “O médico pode acabar aceitando um contrato não favorável, limitando sua liberdade de escolha de materiais. Por isso, sempre reforço a importância de que a SBACV-SP, ou a Nacional, seja consultada antes de qualquer acordo. A entidade pode orientar os associados sobre os limites legais, éticos e assistenciais, ajudando a evitar ou mitigar os prejuízos.”
Essa atuação encontra respaldo na Associação Médica Brasileira (AMB), que historicamente defende a valorização dos honorários médicos por meio da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM). A AMB participa ativamente de negociações com operadoras, propondo reajustes, limites à verticalização da assistência e mecanismos de defesa da autonomia profissional1.
Recentemente, em 2024, a AMB reforçou o papel das sociedades médicas como suporte nas negociações e projetou que a retomada do setor privado de saúde em 2025 traria reajustes médios de 25%, impactando diretamente a remuneração médica2. Além disso, a entidade se posicionou sobre a Consulta Pública nº 151 da ANS, defendendo que as operadoras disponibilizem o “plano referência”, garantindo acesso adequado aos serviços de saúde para os beneficiários3.
Outro ponto importante é lembrar que hospitais também participam ativamente desse cenário. “Muitas vezes, os médicos são surpreendidos porque a negociação já foi feita entre hospitais e operadoras, sem sua participação. Isso cria um cenário de tripla negociação – médicos, operadoras e hospitais – e, com a verticalização crescente da medicina, a posição do médico ficou ainda mais fragilizada”, comenta Dr. Varela.
Caminhos para um modelo mais justo
Na visão do especialista, a saída passa por maior organização da classe médica e pela atualização constante de diretrizes técnicas. “As diretrizes da Sociedade não devem citar apenas marcas, mas listar as características mínimas dos materiais. Além disso, precisam ser atualizadas a cada um ou dois anos, justamente para servir de embasamento em negociações com hospitais e operadoras. Se o médico ou grupo não consulta a Sociedade, sua força fica muito enfraquecida.”
Dr. Varela conclui e reforça que a lógica da oferta e procura continuará a ditar as regras do mercado, mas que a união dos profissionais pode reequilibrar esse cenário. “Estamos falando sempre de negociação, e a negociação obedece à lei da oferta e procura. Com profissionais se formando cada vez mais, o equilíbrio tende a favorecer operadoras e hospitais. A única forma de proteger o médico – e principalmente o paciente – é usar a Sociedade e suas diretrizes como respaldo, garantindo condições mínimas para que 100% dos casos, inclusive os mais complexos, tenham acesso aos materiais adequados.”
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